O corte de R$ 10 bilhões que o governo pretender fazer no Orçamento deste ano é pouco para o mercado financeiro, mas é algum contingenciamento. Em entrevista ao blog "Casa das Caldeiras", do Valor, o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) José Roberto Afonso, doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), alertou que a importância do corte depende da natureza da receita e do gasto contingenciado. Nesse caso, diz, não houve corte, mas sequestro de dotação.
"Recorrer a receitas de futuras concessões pode ser até pior do que a contabilidade criativa", diz. "Receitas esporádicas e extraordinárias não deveriam ser contadas para financiar gastos correntes, como me parece que se está fazendo. Significa imputar aos governos e às gerações futuras que paguem o custo pelos eventuais desarranjos dos atuais governos e gerações."
Para Afonso, credibilidade fiscal se reconquista com discurso coerente e medidas realistas. "É melhor um indicador fiscal ruim do que um indicador que nada indica. A melhor prova disso é que as autoridades monetárias acabaram de anunciar que agora usam outro indicador para avaliar a situação fiscal, o resultado estrutural." [...]
Afonso: Não há dúvida que a Produção desacelera, que a indústria e os Investimentos patinam, que a Balança comercial piorou por décadas... Mas isso não é culpa das desonerações tributárias: elas podem ser acusadas de terem sido ineficazes para reverter esse cenário. São duas questões em abertos sobre as desonerações. Primeiro: quais eram realmente os seus objetivos? Segundo: como eles foram avaliados? O que mais fracassou foi a formulação dos incentivos. Foram dados em caráter pontual, focalizado - na prática, eu não vejo muita diferença entre regimes especiais de tributos federais e a guerra fiscal do ICMS estadual, tão criticada pelo governo federal, que fazia praticamente o mesmo. A alternativa seria realmente desonerar exportações e Investimentos em caráter geral, o que exige devolver os créditos tributários acumulados; gastamos bilhões de reais e não resolvemos esse problema, e os créditos se acumulam cada vez mais. A desoneração da folha salarial é o caso mais eloqüente de falta de critério na concessão de benefícios, pois se abandonou rapidamente a tese inicial e correta de beneficiar os setores intensivos de mão de obra e expostos a concorrência internacional predatória. Hoje, parece que vale a seleção dos amigos do rei. [...]
Afonso: Já é sabido que a engenharia fiscal montada pelo Tesouro transformou Dívida Pública em receita primária de dividendos oriunda dos bancos e empresas estatais. Mas o Dividendo é só a ponta do iceberg.