Não é inédita nem irregular a prática contábil que a Petrobrás vem utilizando desde meados de maio para registrar sua dívida exposta às variações cambiais, mas, pelos resultados que ela certamente produzirá e pelo momento em que foi adotada, pode-se supor que há mais do que justificativas técnicas para a mudança.
A adoção da nova regra provocará uma melhora substancial nos resultados da empresa no segundo trimestre, que deverão ser anunciados no início de agosto. Estimativas de analistas do mercado apontam para um aumento de R$ 4 bilhões a R$ 7 bilhões no lucro da Petrobrás entre abril e junho. Isso significa que a empresa pagará mais dividendos do que pagaria se não tivesse feito a mudança, o que é bom para seus acionistas, como reconheceram os aplicadores ao propiciar um aumento de 7,25% na cotação da Ação preferencial da empresa no primeiro Pregão da Bovespa após o anúncio da mudança. Mas será particularmente bom para o maior dos acionistas e controlador da empresa, para o governo é isso que torna a mudança no mínimo intrigante.
Certamente a valorização do dólar preocupa a empresa, que tem dívidas elevadas denominadas na Moeda americana. Mas ela poderia ter adotado a nova prática contábil, chamada de "contabilidade de hedge", no ano passado, quando o dólar apresentou alta semelhante à observada nas últimas semanas. Por não ter feito isso naquela ocasião, teve de contabilizar um prejuízo trimestral.
Há uma forte razão para fazer a mudança neste momento: a necessidade de caixa do governo, com dificuldades crescentes para cumprir a meta do superávit primário. Sem cortar os gastos como deveria, o governo vem extraindo o máximo possível de recursos das empresas estatais, e para isso tem forçado as empresas por ele controladas a modificar suas regras e seus estatutos. Fez isso insistentemente com o BNDES e a Caixa Econômica Federal. Parece não ter resistido a estender essa prática, chamada de "contabilidade criativa", à Petrobrás, apesar das dificuldades financeiras e operacionais que a empresa enfrenta.
Por meio da "contabilidade de hedge", a Petrobrás poderá compensar parte de suas dívidas atreladas ao dólar com as receitas de suas exportações, que são pagas também em dólar. A alta da Moeda americana eleva a dívida em reais, mas ela faz também crescer suas receitas de exportação em reais na mesma proporção. [...]