Se até mesmo os fiscos há muitos anos têm dispensado o registro/autenticação dos livros fiscais por eles exigidos, não faz sentido manter para as pequenas empresas a obrigação atual de autenticação dos chamados livros obrigatórios
A mesma emenda constitucional que permitiu a criação do Simples Nacional (Emenda 42, de 2003) previu um novo passo para a simplificação da vida das empresas ao estabelecer que as administrações tributárias da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal atuariam de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais.
A partir dela foi criado o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED) em 2007 (Decreto 6.022), com o objetivo de promover a atuação integrada dos fiscos, mediante a padronização e racionalização das informações e o seu acesso compartilhado. Na prática, isso significa ao final da sua implantação uniformizar e unificar as declarações apresentadas pelas empresas para as diversas fazendas públicas, eliminando erros, redundâncias e os custos decorrentes de obrigações acessórias múltiplas.
Passados 11 anos da sua criação, percebe-se que teria sido melhor que isso tivesse sido feito por meio de lei complementar, ao invés de mero decreto, para determinar com clareza e mediante vinculação direta a obrigatoriedade para os entes federativos e mecanismos de planejamento e de defesa dos direitos e interesses dos contribuintes. Isso porque reiteradas mudanças no modelo, com impactos nos custos de adaptação das empresas, morosidade da adesão dos Estados, manutenção de obrigações estaduais e duplicidade de esforços, trouxeram ao longo dos anos muitas dificuldades e críticas ao projeto.
Existe uma entrega concreta do SPED, todavia, que deve ser ressaltada pelo seu avanço: ele viabilizou que os livros contábeis obrigatórios (o Livro Diário, o Livro Razão, o Livro Balancetes Diários, Balanços e seus complementos) deixassem de ser escriturados em papel e fossem substituídos por arquivos digitais a serem entregues periodicamente por meio eletrônico. As empresas brasileiras, então, passaram a ter livros empresariais digitais e economizar custos com impressão, encadernação e armazenamento, também superando dificuldades com regras próprias de cada órgão estadual competente para a sua autenticação.
Em um primeiro momento, o cumprimento da obrigação de autenticação desses livros, prevista no Código Civil, continuou sendo efetuado por meio da Junta Comercial da sede da empresa. Após a remessa ao SPED dos arquivos, a empresa recolhia emolumentos para que o órgão autenticasse o livro digital mediante conferência de dados cadastrais e da ordem de sua numeração junto ao sistema informatizado.
Isso mudou por força de uma das mais de 80 inovações da Lei Complementar 147, de 2014, mais conhecida por ter universalizado o acesso das micro e pequenas empresas ao Simples Nacional. Ela também determinou que a autenticação de documentos empresariais por meio de sistemas públicos eletrônicos dispensa qualquer outra, fundamentando a edição do Decreto 8.683, de 2016, patrocinado pelo Programa Bem Mais Simples, que dispensou a atuação das Juntas Comerciais e estabeleceu que o recibo de entrega emitido pelo SPED prova a autenticação.
Ou seja, a autenticação dos livros passou a ser automática, enquanto o modelo anterior implicava em demora que poderia ser excessiva, muitas vezes causando prejuízos a empresas que necessitavam apresentar o documento para participar de licitações, entre outras demandas. Em março de 2015, por exemplo, havia mais de 800 mil livros na fila para autenticação nas Juntas de 10 Estados, abrangendo o período de 2008-2015.
Só a economia com os emolumentos das Juntas Comerciais chegou a R$ 333 milhões com a medida, sem contar os impactos em recursos humanos realocados, deslocamentos, custeio de intermediários, ações judiciais das empresas para obter a autenticação, entre outras.
É possível ainda avançar mais, considerando que mais de 75% das empresas, as que são optantes do Simples Nacional, em números de 2015, não utilizam o SPED.
Além de não estarem a ele obrigadas, como é a regra para as optantes do Lucro Presumido e para as tributadas pelo Lucro Real, os pequenos negócios ainda que possam voluntariamente utilizar o SPED não o fazem diante de uma série de dificuldades operacionais ligadas à sua baixa maturidade de gestão e ao elevado aumento de custos administrativos que isso gera, sem contar que a grande maioria não tem sequer a infraestrutura tecnológica exigida.
Para as micro e pequenas empresas, que são as que merecem tratamento diferenciado e favorecido de acordo com a Constituição, está reservado, incoerentemente, portanto, o modelo mais oneroso e burocrático na prática: imprimir, encadernar, autenticar livros mediante pagamento de emolumentos e armazená-los, entre outros encargos e despesas hoje injustificáveis.
Se até mesmo os fiscos há muitos anos têm dispensado o registro/autenticação dos livros fiscais por eles exigidos, não faz sentido manter para as pequenas empresas a obrigação atual de autenticação dos chamados livros obrigatórios, ou o uso do SPED como alternativa diante da sua inviabilidade para os pequenos negócios.
Tal como no caso dos órgãos tributários bastaria que os mesmos estivessem disponíveis para fiscalização quando exigidos, inclusive mediante arquivos digitais. Nada mais.
Entre outras possibilidades, isso poderia ser viabilizado mediante inovação na legislação para prever que a autenticação (a que se refere o Código Civil) poderá ser efetuada mediante simples assinatura do contabilista responsável pela elaboração dos livros. Simplificação também para ele, aliada à valorização profissional. É a mesma fé pública, aliás, assegurada aos advogados para autenticar documentos relacionados a processos judiciais e administrativos.
É o mais coerente a fazer para completar o ciclo de simplificação relacionado aos livros obrigatórios iniciado em 2014, ampliando a racionalização e a economia de recursos já concretizados para os usuários do SPED.